A advocacia enfrenta transformações na organização e nas modalidades de trabalho resultantes das mudanças tecnológicas e da celeridade das relações comerciais globais.
O profissional liberal autônomo cedeu lugar às firmas, às sociedades advocatícias, muitas delas multinacionais de prestação de serviços.
As Faculdades de Direito agora chamam-se cursos, credenciados ao bel-prazer de interesses político-empresariais. São investimentos rentáveis face o baixo custo operacional e o elevado retorno financeiro.
Nossa geração, legatária do papel político das Faculdades de Direito, não aceita que o outrora celeiro da elite política brasileira se transforme em balcão para a comercialização de diplomas.
A questão é delicada, requer aprofundamento posterior. Examinaremos a profissão advocatícia, uma das mais antigas da Civilização Ocidental, abordando seus atuais desafios éticos.
A Lei das Doze Tábuas, no ano 450 Antes de Cristo, regulava a advocacia. O Digesto de Ulpiano a definia como a atividade de: “todos quanto se dão ao estudo das leis e pleiteiam as causas nas quais elas se aplicam” (D. 50, 13, 1, 11).
Entre os romanos a retórica e a teatralidade marcavam a profissão. Nos Estados Unidos, travou-se polêmica sobre o recente procedimento adotado pelos advogados de San Francisco de valerem-se das Escolas de Teatro para o aprendizado de práticas e posturas teatrais no exercício profissional. O pragmatismo norte-americano admite as semelhanças entre a arte teatral e a advocatícia. A tradição teatral vem de Roma.
Os discursos forenses dos romanos, influenciados pela filosofia grega, dividiam-se em exórdio, narração, confirmação, refutação e peroração. Nesse mister, o orador utilizava-se de artifícios dramáticos para comover os magistrados, e deles obter as decisões favoráveis. Os historiadores relatam o célebre julgamento de Manio Àquilo acusado da prática de corrupção – ele que fora um antigo cônsul, um velho magistrado. Seu advogado, Antônio, o ergueu do banco dos réus, rasgou-lhe a túnica, e mostrou aos presentes as várias cicatrizes adquiridas pelo notável cidadão a serviço da República Romana. Os juízes assistiram comovidos até às lágrimas, e ao final, o absolveram.
A história romana destaca vários advogados célebres, oradores de grandes recursos. Eles fizeram da oratória forense arte e técnica inexcedíveis. Dentre eles, Cícero, Catão, Caio Júlio César, Marco Antônio e Crasso. Entre nós, comemora-se o dia do advogado em 11 de agosto, data da criação dos cursos jurídicos em 1827. Natural consequência da independência política recém conquistada.
De Portugal, recebemos o Direito substantivo e processual romano sistematizado durante a formação do Estado nacional lusitano. Aqui, a advocacia adquiriu a importância que hoje lhe é atribuída no século 19. A conquista se deve sobretudo a Rui Barbosa.
Mas o antigo profissional liberal vem sendo substituído pelas empresas advocatícias, pelos advogados de Estado. Os profissionais assalariados suscitam diversas implicações éticas.
Entretanto, qualquer que seja a relação de trabalho, há, no desempenho da advocacia, a inafastável responsabilidade pessoal do profissional de quem a exerce, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do advento da Lei nº 8.906/94. Um dos pressupostos é a sua independência como condição ao funcionamento do Estado de Direito, no interesse da sociedade, dos cidadãos, e do próprio Estado.
A condição de magistratura, dispensada pela Constituição Federal, faz da advocacia instrumento da sociedade e da cidadania para o combate das injustiças, sociais e individuais. E para o enfrentamento do autoritarismo.
Permanece vivo, o compromisso do nosso patrono Rui Barbosa ao afirmar: a consciência e a Lei são dois únicos poderes humanos a que se deve inclinar a dignidade profissional do advogado.
Como lembrava Jules Favre, os governos perecem pelas próprias culpas, Deus lhes conta as horas. Nosso compromisso é com as leis e a nossa consciência.