Após a redemocratização em 1946, organizaram-se os partidos políticos brasileiros. Os países da Europa, na maioria, promulgaram constituições socialdemocratas. Na América Latina reproduziu-se o modelo. O Brasil não podia escapar da regra. A Constituição tinha o mesmo paradigma. Os partidos políticos adotavam programas semelhantes. Eram todos, em teoria, de centro-esquerda. Ninguém era ou aceitava ser da direita.
Adveio o golpe de 1964, revogou-se a Constituição de 1946, substituída por atos institucionais. Tentou-se criar o bipartidarismo, atenuado pela fórmula da sublegenda com a finalidade de abrigar as diversidades e contradições regionais. Encerrado o ciclo autoritário, estabelece-se o Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição de 1988. Retorna-se a socialdemocracia. Ultrapassada a transição, os dois partidos hegemônicos na Presidência da República, PSDB e PT, tinham inspiração socialdemocrata em seus programas.
A partir das manifestações de rua de 2013, surgem as organizações de direita, assumindo pela primeira vez essa condição e repudiando os partidos políticos tradicionais. Começa então a se falar da existência da nova direita, como se houvesse existido uma antiga. Entre nós, o emprego do termo não corresponde a relevância de sua origem.
Surgiu durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, pós Revolução Francesa, no século XVIII, para nomear uma ala radical, situada à esquerda da presidência, defensora intransigente da distribuição de terras improdutivas e da abolição dos privilégios da realeza, enquanto os seus opositores, conservadores, sentavam-se à direita. Ao longo dos anos foram acrescidos outros valores qualificadores do termo. A esquerda sempre a favor da maior distribuição de benefícios sociais, e por via de consequência, do aumento da carga tributária, principalmente dos tributos sobre a renda, para possibilitar o cumprimento da missão “Robin Hood”, tirar dos ricos para dar aos pobres.
Enquanto a direita ligou-se ao liberalismo, ao livre mercado, e ao culto dos direitos individuais; no plano tributário, a máxima: quanto menos impostos, mais progresso e crescimento econômico. Em torno desses postulados há variações. Não sendo possível enquadrar os dois lados em um único modelo. Na história recente, os direitistas cultuam duas lideranças: Ronald Reagan e Margaret Thatcher, como governantes exemplares. Para a esquerda sobram todos os governantes defensores de políticas distributivistas e ecológicas.
No passado mais remoto, as duas correntes têm exemplos de desvios autoritários e totalitários, a exemplo de Hitler e Mussolini pela direita, e Stalin e Mao- Tse- Tung pela esquerda. Há um importante aspecto a evidenciar, os desvios de um lado e de outro, se dão pelo excessivo culto a personalidades, na América Latina, reforçam o populismo. E pelo caráter de maniqueísmo religioso que adotam, gerando a intolerância, e o apelo a violência e a extinção do opositor.
Convém tratar o tema sem sacralizações. Tanto um lado como o outro têm pontos positivos e negativos, o importante é que ambos tenham compromissos firmes com a democracia, abjurando qualquer desvio autoritário. Trata-se de compromisso essencial. O mais é circunstancial e compreensível no jogo pela disputa do poder político.
A esquerda vem se modernizando e compatibilizando as teses distributivistas com a responsabilidade fiscal. A fórmula vem sendo empregada em Portugal com razoável sucesso. A direita, por sua vez, vem adotando mecanismos distributivistas, através de caminhos próprios.
O rodízio e a alternância de poder são salutares para o regime democrático, convém, portanto, que as variações direitistas e esquerdistas estejam comprometidas com a essência da democracia: a construção e preservação de uma sociedade plural e aberta em que todos possam postular livremente ideias e aspirações.
Para a política brasileira redundará em enorme benefício, sair do ciclo do fisiologismo para ingressar na fase de debater e defender teses que interessem efetivamente as aspirações coletivas da sociedade. No final, todos ganharão.