02/03/2020

A Crença no Direito

Autor: João Batista Ericeira sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Os cientistas sociais publicam trabalhos sobre a atual crise generalizada das democracias ocidentais, todas elas enfrentando problemas de descrença na capacidade de o Direito e suas instituições solucionarem os conflitos e as demandas da sociedade. No caso particular brasileiro, o Estado veio antes da sociedade, explicando o modo das elites editarem as leis e de fazê-las cumprir. Convém sublinhar, nem toda lei integra realmente o Direito.  Mas a descrença neste como tecnologia, apta a mediar e solucionar os impasses das pessoas e dos grupos sociais, não é, contudo, situação exclusivamente brasileira, ela se espalha a todos os quadrantes do globo.

Em livro clássico, “Introdução ao Direito Moderno”, Alceu Amoroso Lima, aponta as causas do ceticismo jurídico: relativismo; oportunismo; voluntarismo; a agregação da fonte do fenômeno jurídico, na vontade do chefe, da classe social, dos fatores econômicos. Todos conducentes ao materialismo jurídico. Alerta para a ruptura entre o Direito Natural e o Positivo, eliminando-se aquele, resta apenas o último, fruto das circunstâncias e dos interesses dominantes em determinado contexto societário.

O mestre remonta aos clássicos e as suas concepções jusnaturalistas. Entre eles o notável jurisconsulto romano Cícero para quem: “a lei não é uma imaginação do espírito humano, nem uma vontade dos povos, mas qualquer coisa de eterno, que deve reger o mundo inteiro pela sabedoria de seus preceitos e instituições”.

E prossegue: “a lei natural é a da própria recta ratio; está intimamente inserida em nossa natureza e é a mesma em toda parte.  O Direito natural é o preceito da própria razão humana em nós”.

Alceu recorre a Santo Agostinho, um dos doutores da Igreja Católica, para ampliar o conceito, integrando-o em Deus: “ Razão e vontade divinas criam a Lei por excelência, a lei suprema de que todo o Direito deriva, e que se distingue por três caracteres fundamentais, eterna, invariável e universal”. Arremata ainda, “toda a lei que contrariar os princípios fundamentais da justiça, não é lei e, portanto, não pode exigir obediência”.

O postulado é aprimorado por Aristóteles e por São Tomás de Aquino, desenvolvendo a tese do Direito à desobediência em relação a lei e aos príncipes injustos. A norma legal injusta, de acordo com esse preceito não é Direito.

É bom recordar, Alceu Amoroso Lima, era um pensador católico. O livro resulta de sua tese para a cátedra da Faculdade Nacional de Direito, nos anos trinta doo século passado, quando o mundo se via assolado por duas correntes totalitárias, do ditador alemão Hitler, que identificava a vontade do chefe e da raça ariana, como fonte do fenômeno jurídico. E o comunismo soviético que o via nascendo de uma classe social, a proletária.  Adotando o pseudônimo de Tristão de Athayde, foi importante crítico literário, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo sido fundador do Movimento Democrata- Cristão para a América Latina.

Atualizando o seu pensamento para o momento, qualquer que seja a crença religiosa ou igreja adotada, o básico é a subordinação do Direito a uma ordem moral, aos critérios do justo e do injusto inseridos na razão humana.

O Estado, por sua vez, deve estar sujeito a esses princípios para se caracterizar como subordinado efetivamente ao Direito. Não serão humores de autoridades, ou determinações de ordem material que configurarão sua procedência da fonte natural, daquilo que Kant asseverava com eloquência: “só existem duas verdades comprováveis, o céu estrelado sobre a minha cabeça, e a lei moral dentre de mim”. Para ele, esta última era a fonte autêntica do Direito. Nestes dias correntes, de niilismo, de descrença nas leis, pelo relativismo, pelo consumismo, não percamos a crença no verdadeiro Direito.  

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