21/12/2020

Vacinar ou Não Vacinar?

Autor: João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O Rio de Janeiro no início do século era cidade evitada pelos estrangeiros. Grassavam as epidemias de febre amarela, peste bubônica, sarampo. O presidente Rodrigues Alves desencadeou o processo de reurbanização da então capital, nomeando Pereira Passos para prefeito, e Oswaldo Cruz para Diretor da Saúde Pública. Este partiu para atacar as causas, dizimando ratos e outros agentes transmissores. Derrubando prédios antigos, e principalmente determinando a vacinação compulsória.  As medidas provocaram distúrbios de ruas, ensejaram o aproveitamento político e militar dos opositores do governo. Era 1904, vivia-se os primórdios da República que pretendia sustentar a tese: acima das razões de Estado estão os inalienáveis Direitos individuais. Logo o tema da vacina ganhou as ruas, gerou sentimento coletivo de adversidade. A população na maioria se posicionou contra a compulsoriedade determinada pelas autoridades. Ruy Barbosa, ídolo popular, por razões de ideologia política e jurídica, se colocou contra a compulsoriedade em artigos jornalísticos e pareceres. Parecia ser postura contrária aos progressos da ciência que ele tão bem conhecia. Queria opor-se aos excessos autoritários praticados pelos representantes governamentais. E como com frequência ocorria, ganhou a simpatia da opinião pública.

Decorridos mais de cem anos daqueles episódios, o tema emerge com os sinais trocados, agora, se ocorresse alguma sedição popular, seria pela aplicação da vacina. A mudança se deve a crença nas conquistas da ciência e a divulgação de suas conquistas e resultados. Face as polemicas estabelecidas o assunto mereceu exame do Supremo Tribunal Federal para estabelecer os parâmetros da legalidade exigíveis na aplicação da vacina. A mais alta Corte de Justiça estabeleceu a necessária distinção entre compulsoriedade e obrigatoriedade. Nenhuma autoridade poderá exigir que o cidadão seja vacinado, isto é, não é compulsória. No entanto, é obrigatória, significa dizer, quem recusar-se poderá submeter-se a sanções pela negativa. E por quê? Na obrigatoriedade admite-se a recusa, sabendo-se que esta poderá gerar prejuízos à saúde coletiva. 

Dois valores jurídicos se conflitam, o Direito Individual de dispor do próprio corpo, e o da sociedade de proteger-se. No campo das ciências jurídicas são comuns os conflitos de normas e dos valores nelas inseridos. São situações repetitivas e inevitáveis, inerentes a condição de sua produção pela sociedade, com choques de interesses e aspirações de parte dos grupos sociais.

Em breve, alguns casos terão o cotejo judicial, oportunidade para aferir o grau de diversidade e de conhecimento da sociedade brasileira sobre a vacinação. Faz lembrar a memorável e sempre repetida expressão, pronunciada pelo príncipe Hamlet, na peça do dramaturgo inglês William Shakespeare: “To be, or not to be, thats the question”. Adaptando-a, vacinar ou não vacinar, eis a questão lançada a cada pessoa, a cada cidadão. Compete às autoridades públicas nos três níveis de governo, pôr as vacinas a disposição da sociedade o mais rápido, ensejando-lhe exercitar as escolhas.

No futuro, essas questões figurarão nos manuais científicos e jurídicos, nos livros de História É assim que a Humanidade tem aprendido ao longo de sua trajetória de erros e acertos. Cada época tem o seu grau de conhecimento e dela faz aplicação. Após 116 anos dos episódios da revolta da vacina muitas teses e discursos parecerão risíveis, convém compreendê-los no contexto da época. De lá para cá profundas transformações se operaram no Brasil e no mundo, determinadas, entre tantas razões, pelas tecnologias alterando as relações de produção, de trabalho, e por consequência, de organização das sociedades.

Dizia Ruy que tudo muda, sob uma base que nunca muda, a natureza humana. Assim se pode entender por que uma tragédia shakespeariana emociona tanto quanto nos anos 1600 aos seus espectadores. Pelas mesmas razões, personalidades como a de Oswaldo Cruz, Ruy Barbosa, deixaram legado inestimável.

Receba nosso informativo

Receba semanalmente as principais notícias sobre a advocacia do Maranhão.

Cadastro efetuado com sucesso.