03/11/2020

Os Trapalhões e a Constituição

Autor: João Batista Ericeira sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Semana passada, um deputado chamou a atenção dos seus pares e da mídia. Propôs que se elabore nova Constituição a pretexto de que atual torna o país ingovernável. Semelhantes opiniões tiveram expressivas figuras da República, como Delfim Neto, Roberto Campos, quando de sua promulgação pelo presidente do Congresso Constituinte, Ulysses Guimarães, em 1988.  Em 2013, após aquelas manifestações que abalaram o país, assessores da então presidente Dilma Rousseff deram-lhe igual conselho, sob o argumento de que a Constituição atrapalhava os planos do governo e a governabilidade. É verdade, as constituições devem atrapalhar os governos, na medida em que limitam os poderosos e os seus modos de exercê-lo, no âmbito do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

A falácia de que a Constituição atrapalha é desmentida por estudiosos nos campos do Direito e da Ciência política, nelas pontificava Paulo Bonavides, participante ativo dos debates sobre a natureza da Assembleia Constituinte e a forma de convoca-la, abordadas no livro “Política e Constituição”, editado pela Forense. O autor, referência nas áreas política e jurídica, integrou a resistência democrática ao regime autoritário. Era sabedor de que a transição se faria de forma a contemplar integrantes do regime anterior, como efetivamente ocorreu. Assim, prevaleceu a tese do Congresso Constituinte e não a da Assembleia Exclusiva. Mas sua legitimidade foi recuperada pela participação popular, como assinalava Raymundo Faoro. Ele participou das negociações precedentes a eleição de Tancredo Neves indiretamente pelo Colégio Eleitoral, onde se firmaram os acordos.

De fato, integrei a Comissão do Conselho de Reitores que a acompanhou, e posso afirmar, a Carta de 1988 teve ampla participação de grupos organizados da sociedade, atuantes nos trabalhos, ofereceram propostas que figuram em seu texto.

A Constituinte só é possível quando se verifica a ruptura total ou parcial do pacto de poder político, que não ocorreu no Brasil. Não pode se realizar por voluntarismos ou casuísmos de algum detentor do poder político. À falta dessa situação, qualquer declaração nesse sentido é uma trapalhada inconsequente, configurando possível oportunismo para ganhar visibilidade nas redes sociais. Por outro lado, se constitui em ato de colaboração a insegurança jurídica, com efeitos predatórios para a economia nacional.

A trapalhada não é aquela do comediante cearense Renato Aragão, que nos fazia rir nas tardes de domingo a quem rendo respeito, tal como a Paulo Benevides, nascido na Paraíba, mas cearense de coração e ação.  A ele, nossas reverências por ter no mundo acadêmico produzido obra exemplar ao lado da resistência ao autoritarismo.

Há inegável descompasso entre as aspirações da população e as pautas das casas parlamentares, do Judiciário, e do Executivo. Há necessidade de reformas na Constituição, como sugeri na última Conferência da OAB, lembrando o exemplo de Ruy Barbosa, que em 1919 sugeriu reformas na primeira Constituição republicana, a de 1891. Infelizmente não foi ouvido. Em 1930 após quarenta anos de vigência viu-se revogada pela Revolução do mesmo ano. Assim dita, “soi disant”, pois as nossas revoluções são todas quarteladas, como as de Portugal.

Lá como cá, as constituintes são frutos de acordos entre as elites, sem total ruptura dos pactos de poder. É um traço cultural. Como dizia Kelsen o que importa nas constituições são suas declarações de Direito. Sobretudo em nossos dias, onde se verifica a sua crescente internacionalização, apesar de trapalhões dos Estados Unidos e daqui defenderem o unilateralismo, apesar das evidencias da realidade crescente da necessidade do multilateralismo.

Precisamos ter paciência, a política em alguns aspectos se relaciona com o teatro e as demais artes cênicas. Explica o aparecimento de homens públicos necessitando de aplausos ou por falta de programas, atuando de forma circense, brincando com a Constituição.    

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