07/02/2018

Os Riscos da Democracia

Autor: João Batista Ericeira

O sábio de Viena, Hans Kelsen, autor de uma das mais significativas obras no campo da Ciência Jurídica, intitulada “Teoria Pura do Direito”, é também um consagrado pensador na área da Ciência Política. Nesta última, publicou vários títulos como: “A Democracia” e a “Ilusão da Justiça”, editadas em português, contém reflexões consideradas basilares à compreensão do fenômeno do poder, onipresente em todas as sociedades humanas. No caso do poder político, a invenção grega da democracia é alvo de diversas interpretações, uns a favor, outros contra, a exemplo de Platão, que atacava valores democráticos como a liberdade, dizendo ser esta última condutora da anarquia e da demagogia.


Karl Popper, também integrante do “Círculo de Viena”, no clássico “ A Sociedade Aberta e seus Inimigos”, colocava Platão ao lado de Marx, como adversários da sociedade democrática. Dizia ser o pensamento de ambos condutores ao autoritarismo, perigo não de todo inafastável, agora e sempre.


No livro “ A Democracia”, distingue governo do povo, de governo para o povo. Afirma caracterizar-se o primeiro pela participação popular, enquanto no segundo, as lideranças falam para o povo, afirmando defenderem os seus interesses. Em verdade, a democracia baseia-se no conceito de racionalidade e de liberdade do ser humano para pactuar a Lei Geral, regedora política e juridicamente da sociedade. Daí, deriva todo o constitucionalismo moderno.


Às portas do Carnaval, período pouco propício para as reflexões racionais, ocasião em que expressiva maioria se deixa levar pelos sentimentos lúdicos, emergiu no Seminário de Ciência Política, do Mestrado da Universidade Portucalense em Convênio com o Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Aplicada-CECGP, discussão acerca da representação política na sociedade brasileira.


Todos os países enfrentam dificuldades no plano da representação política, o Brasil, desde a independência, não logrou durante o Império, e depois em todas as fases republicanas, consolidar partidos políticos representativos da sociedade. Eles não passam de ajuntamentos, organizados para a obtenção de favores e de benesses do Estado.


Os partidos, para a democracia kelseniana, são a primeira forma de representação política da sociedade. Defensor do parlamentarismo, como forma de governo, sabia que para o seu exercício, era indispensável a existência de partidos políticos reais, capazes de manifestar os anseios e as reivindicações da população de determinado Estado.


Ao longo da História brasileira, pela fragilidade da sociedade civil, e em decorrência de sua baixa representatividade, outros grupos e instituições falaram em seu nome: as igrejas e forças armadas são citadas como exemplo. Nos anos vinte e trinta do século passado, a jovem oficialidade capitaneou o movimento chamado tenentismo. Promovendo algumas insurreições militares, defendia amplo programa de reformas, contemplando o sufrágio universal, incluindo o voto feminino, os direitos trabalhistas, sociais e previdenciários. Chegaram ao poder em 1930, os quartéis se manifestaram. O candidato derrotado nas eleições presidenciais, o presidente do Rio Grande do Sul, assim eram chamados os governadores dos estados pela Constituição de 1891, Getúlio Vargas, foi chamado a assumir a Presidência da República. O episódio ficou conhecido como a Revolução de Trinta.


Os tenentes dispunham do apoio das ascendentes classes médias, e implicitamente as representavam. Depois promovidos a generais, protagonizaram a Revolução de 31 de março de 1964, com o ideário de defesa da democracia e de combate à corrupção. Tinham inegável apoio das classes médias, das igrejas e dos empresários.


Tomando por base esses antecedentes históricos, um aluno do Mestrado da Universidade Portucalense perguntou-me se eu via alguma analogia entre os tenentes das décadas de vinte e trinta do século passado e os procuradores e juízes da Operação Lava Jato, na pretensão de representarem politicamente a sociedade brasileira. Assinalando terem eles o apoio da opinião pública e das classes medias. Respondi, ancorado na teoria de Kelsen que a representação política é de toda sociedade, e deve ser fazer nos canais próprios.


Membros do Ministério Público e da Magistratura, carreiras de Estado, atuam na área do controle do Poder político pelo Direito, são, portanto, contramajoritários. O espaço da política é da sociedade, e deve ser amplamente majoritário.
Recorrendo a Kelsen convém frisar: a democracia brasileira enfrenta atualmente riscos, dentre eles, a crença em falsos messias, e na pretensa e indevida possibilidade de buscar-se a representação política através de grupos e de canais impróprios.

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