02/04/2018

O Poder Moderador

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

No livro de memórias ”Getúlio Vargas, meu pai”, republicado o ano passado pela Editora Objetiva, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, relata passo a passo os acontecimentos de 1937, ano em que golpe desferido contra as instituições democráticas, estabelecidas pela Constituição de 1934, instituiu o Estado Novo, nos moldes então conhecidos do autoritarismo dos regimes nazifascistas da Europa. A Constituição outorgada de 1937, inspirada em similar da Polônia, serviu de mote para os adversários do regime, que a chamavam de a “polaca”, em clara alusão às mulheres naturais daquele país que praticavam a prostituição no Rio de Janeiro.

A filha do presidente, conhecida como Alzirinha, fora durante anos assessora do pai, conhecia os bastidores da política, e a enorme soma de poder enfeixada na Presidência da República. O país estava envolvido em clima de radicalização entre os comunistas liderados por Luís Carlos Prestes e os integralistas chefiados por Plínio Salgado. Havia clima de conflagração e de violência. Os comunistas haviam tentado conquistar o poder em 1935 e os integralistas fizeram o mesmo em 1938.

O relato de Alzirinha, compreensivelmente, deixa o pai com a imagem de homem desprendido, não apegado ao poder. Sua preocupação era unicamente servir o país, salvá-lo de fraticida luta interna que poderia levar várias unidades da federação a separar-se da União. O relato, pelos laços filiais da memorialista, deve ser relativizado. Importa sim, a descrição que faz da falta de representavidade dos partidos políticos, de sua incapacidade de expressar a vontade da sociedade civil. Do clima de intrigas, de fisiologismo, que grassava nos bastidores. Todos os atores preocupados em reeleger-se, em manter o poder, enquanto crescia o número de pretendentes as eleições presidenciais.

Lendo o depoimento da filha de Getúlio Vargas, que governou o país por quase vinte anos, somados os períodos constitucionais e autoritários. Considerado o criador do Brasil moderno, mais precisamente o ano de 1937, este me pareceu muito semelhante a 2018. Decorridos mais de 80 anos, o Brasil politicamente continua o mesmo, com algumas atenuantes e outras agravantes.

Desde a independência as razões de Estado se chocaram com os interesses políticos. A Constituição imperial de 1824 criou a figura do Poder Moderador, exercida pelo imperador, para arbitrar os choques entre os interesses políticos e as razões de Estado. Com a Proclamação da República através de um golpe de Estado do Exército, em 15 de novembro de 1889, o Poder Moderador passou a ser exercido pelas Forças Armadas.

A última intervenção das Forças Armadas deu-se em 31 de março de 1964, com a deposição do presidente constitucional João Goulart e a edição do Ato Institucional que suspendia as garantias da Constituição de 1946. O redator do Ato Institucional foi Francisco Campos, conhecido pelo apelido de “Chico Ciência”, o mesmo que redigiu a Constituição de 1937, tendo sido nomeado Ministro da Justiça pelo presidente Vargas.  

O retorno aos quadros constitucionais, deu-se mais de vinte anos depois, com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, prestes a completar trinta anos de vigência, a mais longeva de todos os períodos republicanos.

De 1937 para cá o Brasil industrializou-se, urbanizou-se, a sociedade civil alargou-se, mas a forma de fazer política não mudou. Vigora semelhante confusão entre a propriedade pública e a privada, chamada de patrimonialismo. Continua a imperar o fisiologismo, o compadrio, a proteção aos amigos em detrimento do interesse coletivo.

Configura-se o conflito entre as razões de Estado, que devem ser as mesmas da sociedade civil, e as ambições da política fisiológica, sem ideais, voltada para a preservação de interesses privados e estamentais, como descreve Alzira Vargas do Amaral Peixoto.

Após a Constituição de 1988 elegeu-se para Poder Moderador o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal-STF, para lá encaminham-se os conflitos entre as razões de Estado e os interesses políticos. Mas essa não é a missão nem a função do STF.

Os partidos políticos estão divorciados das razões de Estado, das aspirações da sociedade. Devem urgentemente abrir-se sob pena de perecerem. Em novembro do ano passado, na Conferência da Ordem dos Advogados, sustentei a necessidade urgente de se fazer a reforma ou revisão da atual, ou até mesmo uma nova Constituição, dando nova estrutura ao Estado brasileiro, separando as atribuições de Estado das de governo. Reorganizando o Judiciário, conferindo ao STF as funções de Tribunal Constitucional, que não deve confundido com Poder Moderador. Este, a persistir, deve pertencer a sociedade, por meio de órgãos legislativos. Para tanto, se requer a existência de partidos políticos reais, representativos da sociedade. A discussão está apenas começando.

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