18/06/2018

O Patriotismo Futebolístico

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

A sociologia brasileira faz esforço para compreender o fenômeno do futebol em nossa sociedade. Esporte incialmente desenvolvido pelos ingleses, aqui aportou no final do século 19, e logo conquistou a alma nacional. Transformou-se na mais importante competição esportiva, sobretudo a partir dos anos trinta do século passado com as copas do mundo. Os brasileiros são mais ligados ao futebol que os ingleses. No campo das ideias algo parecido ocorreu, por exemplo, com o positivismo filosófico, que em muito influenciou os fundadores da República, bastando dizer que o dístico da bandeira nacional, o ordem e progresso, é de sua inspiração. O mesmo se pode afirmar do kardecismo com milhões de adeptos. Ambos surgidos em solo francês não lograram igual expansão no país de origem.

Há filósofos do futebol, como Nelson Rodrigues e Armando Nogueira, autores de textos inspirados, de elevado valor literário, criadores de figuras míticas, como Neném Prancha, massagista e pensador do Botafogo do Rio de Janeiro, a quem são atribuídas frases como: “pênalti é tão importante que quem devia bater é o presidente do clube”. “Jogo é jogo, treino é treino”.  Vários nomes e expressões são originariamente inglesas como os beques para designar os jogadores da defesa, e o goalkeeper para nomear o goleiro, finalmente, o próprio nome do esporte football, aportuguesou-se ao longo do tempo, adquirindo status na produção lideraria. O poeta Carlos Drummond de Andrade é autor da festejada crônica intitulada “Quando é dia de futebol” em que homenageia o “anjo de pernas tortas”, o ponta-direita Garrincha, herói de duas copas, as de 58 e 62. Armando Nogueira celebrou Pelé, a maior figura do esporte, em crônicas reunidas “Na Grande Área” relatando os feitos do insuperável rei.

José Lins do Rego registra a sua devoção pelo clube do coração no livro “Flamengo é Puro Amor”, como também o torcedor do Fluminense, Nelson Rodrigues, o fez em “À Sombra das Chuteiras Imortais”. A paixão de Nelson era tamanha, expressada nesta frase: “se os fatos provam o contrário, pior para os fatos”. É seguido pelo compositor Chico Buarque de Holanda, também tricolor apaixonado, como eram João Saldanha e Sergio Porto pelo Botafogo, e Ari Barroso pelo Flamengo. Como fazia o poeta João Cabral do Melo Neto pelo América do Rio, no que era seguido pelo compositor Lamartine Babo, autor de quase todos os hinos dos clubes do Rio de Janeiro.

A Academia Brasileira de Letras realizou simpósio coordenado por Arnaldo Niskier para concluir que o futebol não é apenas essencial para a literatura, como também o é para o entendimento da nossa cultura. O jogador Nilton Santos, lateral esquerdo do Botafogo e da seleção, muitas vezes campeão, considerado a “enciclopédia”, recebeu do poeta Paulo Mendes Campos, cronista de Minas Gerais e do Brasil, esta sentença: “ Nilton Santos confia na bola; a bola confia em Nilton Santos; Nilton Santos ama a bola; a bola ama Nilton Santos. Também nesse clima de devoção mútua não pode haver problema”.

Quem de nós quando menino não jogou uma pelada e não sonhou ser craque no futebol, depois, obviamente, transferiu o sonho para outras atividades profissionais. É fato, esse esporte entranhou-se por inteiro na alma da nacionalidade. É preciso procurar cuidadosamente como e porque se deu a amálgama. Em todas as copas do mundo repete-se o fenômeno do patriotismo futebolístico. Os símbolos nacionais são içados, e todos são tomados de amor e paixão pelo Brasil. Em 1958, conquistando a primeira Copa do Mundo, assegurava Nelson Rodrigues que o brasileiro perdia o complexo de vira-lata e recuperava a autoestima. Era o presidente da República Juscelino Kubitscheck, tempo de euforia, de otimismo, da construção de Brasília, da industrialização e de crença no futuro. A segunda conquista, em 1962, deu-se em plena crise do governo João Goulart. A terceira ocorreu em 1970, governo Médici, no auge da ditadura e da repressão. Mesmo assim, os brasileiros esqueceram as agruras e uniram-se para torcer pelo Brasil. Os três exemplos do século passado indicam a existência de um Brasil peculiar, a ignorar o Estado. A sociedade une-se em torno do esporte que reúne elementos de individualismo, e ao mesmo tempo de conjunto, de equipe. No futebol, como no carnaval, cria-se o espaço público voluntário, onde as pessoas se nivelam. É também canal aberto de oportunidades para os filhos das camadas mais pobres da população ascenderem socialmente. Um menino humilde da favela pode se transformar em jogador milionário. É verdade, a globalização e o excesso de financeirização têm provocado anomalias no campo desse esporte.

Não importa. O maior desafio da classe política, próxima a travar as eleições após a Copa, é levar os eleitores a estufarem os peitos, a desfraldarem as bandeiras, vistas de quatro em quatro anos, a favor das causas públicas. A sentirem pelas políticas públicas o mesmo sentimento que lhes desperta o futebol. Por ora, é torcer pelo Brasil.

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