06/03/2017

Mulher Brasileira em Primeiro Lugar

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

No último carnaval comemorou-se o centenário do samba. Muitas publicações foram lançadas em periódicos, revistas, no rádio e na televisão. Algumas discordaram quanto a data, mas todas convergiram quanto a importância do gênero musical para a formação da identidade brasileira. O samba está para nós, como o fado para Portugal e o tango para a Argentina. Em 27 de novembro de 1916, o maxixe “Pelo Telefone” foi registrado por Donga na Biblioteca Nacional. Gravado em disco em 1917, com a denominação de samba, estourou no carnaval daquele ano. Sua autoria é obra coletiva, dela participaram Sinhô, Caninha, Hilário Ferreira, Pixinguinha, João da Baiana, Clementina de Jesus, todos frequentadores da casa da Tia Ciata, terreiro de Candomblé, situado na Praça Onze, no Rio de Janeiro, onde se praticava cultos africanos, rodas de samba e capoeiras.

Iniciava-se a segunda década do século passado, o Rio, capital federal, recebia migrantes de todos os rincões do Brasil, aumentava a população dos morros, neles, proliferavam as rodas de batucadas. Nos cabarés urbanos, na Lapa, cresciam o samba-canção, o samba-carnavalesco, variações do mesmo gênero, progredindo a partir das contribuições de Noel Rosa, Ismael Silva, Braguinha, Assis Valente, dentre outros.

Nos anos sessenta ainda da centúria anterior, o samba recebeu influencias do jazz, no movimento bossa nova, liderado por Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Edu Lobo, Menescal e Bôscoli. Antes, em meados dos anos cinquenta, autores como Dolores Duran e Antônio Maria, compuseram canções precursoras da onda bossanovista, determinante para a sua internacionalização.  Nos anos setenta Chico Buarque de Holanda deu invejável contribuição a sua original evolução urbana.

O samba, o carnaval, a arquitetura, o futebol, são marcas da cultura brasileira, reconhecidas no mundo inteiro. Recentemente, a Operação Lava Jato celebrizou o país, elevando-o a condição de inovador no combate a corrupção praticada por agentes públicos e privados contra o erário do Estado.

É bom sublinhar, considerável parte do acervo legal empregado nas delações premiadas, e outras medidas processuais, como as prisões preventivas, o sequestro do dinheiro desviado, foram importadas dos Estados Unidos e países europeus, em esforço internacional de combate a corrupção. O inusitado aqui é a nova geração de juízes, procuradores federais, delegados da polícia federal, treinados nessa legislação, prontos a cumprirem suas funções, amparados na Constituição Federal. Eles estão agindo diferente, rompendo com paradigmas culturais arraigados.

Uma das características do modo de ser brasileiro é o faz de conta em relação ao cumprimento das leis, feitas para não serem cumpridas, contornadas pelo jeitinho, de modo a favorecer principalmente as elites, colocadas acima delas.

Há cem anos atrás “Pelo Telefone” retratava situação típica da época: ” O Chefe da Polícia/Pelo Telefone manda me avisar/ Que na Carioca/Tem uma roleta/Para se jogar”. Na primeira década do século passado, a palavra de ordem do Delegado Geral era o combate a jogatina desenfreada.

 Donga em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, refere-se a uma Roleta colocada no Largo da Carioca pelos redatores do jornal “A Noite”, para comprovar que a operação de combate ao jogo era uma farsa. Acrescentou: “no registro de 1916 escrevi, chefe da folia, para evitar problemas com as autoridades constituídas. ”.

Em outra entrevista, Donga afirma: “ o samba veio da Bahia”.  Depois se viu, tem outras procedências, veio do mineiro Ataulfo Alves, dos cariocas Cartola, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, sem esquecer a predecessora Chiquinha Gonzaga. Há sambistas em todas as regiões do Brasil. Noel concluiu: o samba nasce do coração.

Outro verso de “Pelo Telefone” reflete traço peculiar da alma brasileira: “ ai, ai, ai é deixar mágoas para trás ó rapaz”. É carnaval. Momento de esquecer tudo. A racionalidade foi suspensa, retornou na quarta de cinzas.

A festa carnavalesca é democrática, iguala só por três dias as classes sociais. Bem ou mal? No centenário do samba não há como responder com juízos de valor. Toda a cultura brasileira, incluindo o Direito, recebe a influência do samba e do carnaval. Só resta a conclusão: viva o povo brasileiro, e em especial, viva outro gênero, o feminino, que nesta semana celebramos, reverenciando duas mulheres, independentes, avançadas, criativas, fundamentais para a música popular brasileira: Chiquinha Gonzaga e Dolores Duran.

No mais, é como diz Benito de Paula em versos consagrados: a “mulher brasileira é feita de amor/ mulher brasileira em primeiro lugar”.

http://www.ericeiraadvogados.com.br/

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