24/09/2018

Carta aos Brasileiros

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

A historiadora norte-americana Barbara Tuchman escreveu o hoje clássico da ciência política, intitulado “A Marcha da Insensatez”, nele, a escritora narra vários erros cometidos pelas elites dirigentes, da Guerra de Troia a do Vietnam. Mas se dedica sobretudo a esta última, destacando as impropriedades cometidas pelos governantes. O Vietnam, como se sabe, se constituiu em atoleiro em que entrou os Estados Unidos, com severas consequências para aquele país. Talvez pensando nisso, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso-FHC, dirigiu “Carta aos Brasileiros”, advertindo para os perigos que corre a nação, por força da radicalização do pleito presidencial.

Não é a primeira vez que o Brasil enfrenta eleição presidencial radicalizada. Foi assim no pleito de 1930, que elegeu Júlio Prestes, mas terminou com a subida de Getúlio Vargas ao poder, em decorrência do movimento civil-militar que derrubou o presidente constitucional Washington Luís. Trinta depois, em 1960, o pleito polarizou-se entre Jânio Quadros e o Marechal Teixeira Lott. Seis meses depois de empossado, Jânio renunciou à Presidência, abrindo o caminho para duas crises, a primeira em agosto de 1961, com o veto dos ministros militares à posse de João Goulart, o vice-presidente, redundando na emenda parlamentarista para garantir a sua posse. E a segunda, em abril de 1964, derrubando-o do governo.

Em 1989, nova polarização da eleição. A primeira depois do retorno da Democracia, com a presença de novos atores:  Leonel Brizola, que retornara do exilio; Mário Covas, cassado pela ditadura; Luís Inácio Lula da Silva, operário, líder sindical do ABC paulista, organizou o Partido dos Trabalhadores; Paulo Maluf, representante do regime anterior; Ulysses Guimarães, com Tancredo Neves, um dos responsáveis pelo acordo de transição; e o ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello.

Outros candidatos disputaram, mas os acima citados foram os principais concorrentes. O bicho-papão era Leonel Brizola, estigmatizado pelos donos da mídia. A eleição caminhou para o segundo turno com a polarização entre Fernando Collor e Lula. Vitorioso o primeiro, o resultado foi o seu posterior impeachment por envolvimento em esquemas de corrupção.

Em 1930, 1960, 1989, deu-se a radicalização. Em trinta, potencializado pelo assassinato de João Pessoa. Em 1960, pelo julgamento do governo Juscelino Kubistchek, acusado da montagem de rede de corrupção para a construção de Brasília, e a figura messiânica de Jânio Quadros, que de vassoura em punho, se propunha a resolver todos os problemas do país. Seis meses depois, a tragédia da renúncia. Em 1989, em clima radical, elege-se o caçador de marajás, Collor de Mello, para eliminar a corrupção, a inflação, e restaurar a austeridade e moralidades públicas. Dois anos depois, o impeachment por corrupção. Não se deve esquecer a polarização entre Dilma e Aécio da última eleição.

Em 2018, o sociólogo e ex-presidente FHC, percebe que há clima de radicalização perigoso, e chama a atenção para os seus prováveis efeitos. Adotou o estilo epistolar, bastante frequente na vida pública brasileira. Em 24 de outubro de 1943, intelectuais, juristas, empresários, divulgaram carta aberta a nação, pedindo o fim do Estado Novo e a redemocratização do país. Dentre outros, o documento tinha a assinatura de Afonso Arinos, Milton Campos, Pedro Aleixo, Adauto Lúcio Cardoso e Pedro Nava.

Em 8 de agosto de 1977, das arcadas da Faculdade de Direito de São Paulo, o mestre Goffredo Telles Jr leu a Carta aos Brasileiros, pedindo o fim da ditadura e o retorno ao Estado Democrático de Direito. O documento foi o primeiro passo para o fim do regime de exceção, com a costura do pacto de transição que desaguou na Constituição Federal de 1988.

Em 22 de junho de 2002, o candidato Lula, com reais possibilidades de eleger-se Presidente da República, lança a carta ao povo brasileiro, em que acalma os mercados financeiros, compromete-se a cumprir os contratos e promete realizar as reformas almejadas.

O estilo epistolar retorna, na lavra de FHC, sugerindo que o duelo eleitoral não se trave entre partidarismo e personalismo, e que seja revalorizada a virtude da tolerância política. Constituinte de 1988, o ex-presidente e demais legisladores esqueceram-se de fazer a reforma política. Principal causa dos males da radicalização e da desmoralização do sistema de representação partidária e congressual.

O Brasil permanece envolto nas contradições entre o arcaísmo do messianismo, dos salvadores da pátria, e o modernismo da Constituição de 88 e da urna eletrônica. Assino uma Carta aos Brasileiros, exclusivamente a favor da manutenção do Estado Democrático de Direito.

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