14/12/2017

Breve comentário à obra ‘A empresa de economia mista e o desenvolvimento do Maranhão’ de autoria do jurista João Batista Ericeira

Autor: Marina Mirella dos Santos D’ Caminha

De início, interessa fixar as premissas de que parte o autor para então apresentar o objeto principal de seu trabalho. Tais ideias refletem a formação acadêmica do professor e advogado João Batista Ericeira e a missão do magistério que tomou para si. Primeiramente, o jurista enaltece o conhecimento, não aquele do tipo enciclopédico cujo maior ‘exercício intelectual’ é o acúmulo de informações, mas o conhecimento enquanto elaboração autônoma, direcionado à aplicação prática e vinculado às necessidades de transformação social. Em sendo assim, enfatiza a necessária dialética entre Fatos e Teoria, assim como prima pela interdisciplinaridade entre as ciências e se põe a favor do questionamento em lugar das falsas certezas. Esses pontos nortearão o trabalho ora apresentado; curiosamente, eles representam tudo aquilo que falta ao Direito e ao Ensino Jurídico, neste aspecto, pois, residindo o grande mérito do professor João Batista Ericeira. 

Bebendo nas fontes de autores que tecem grandes críticas ao panorama do Ensino Jurídico nas Universidades ao longo do Brasil, dentre eles o pai do Direito Achado na Rua - Roberto Lyra Filho -, Ericeira sinaliza um Direito preso a dogmatismos. Trata-se de um Direito que se fecha hermeticamente às influências de outras ciências sociais e humanas (portanto, em clara oposição à interdisciplinaridade) e que se coloca em separado do todo social. Nesse ínterim, o autor postula que o Ensino Jurídico atua de modo a reproduzir e manter as desigualdades sociais, sua opção pelo magistério se justificando na vontade de romper com tal círculo de velhas tradições. Importante ressaltar que a presente dissertação foi apresentada à Banca da Universidade de Brasília (UNB) no ano de 1980, fator que não lhe tira a atualidade, visto que o Ensino Jurídico ainda caminha grande parte desses percalços, desta vez, na conjuntura de um Estado Democrático de Direito.

Na perspectiva segundo a qual o Direito invariavelmente é sinônimo de processo social, o autor se propõe a analisar as Empresas de Economia Mista criadas entre 1964 e 1979 no Estado do Maranhão. Neste sentido, não apenas tomou em atenção a matéria legislativa, mas também verificou se por intermédio dela - logo, da atuação das Empresas de Economia Mista no cenário maranhense - ocorreu de fato modernização do aparelho estatal e das relações de poder; assim como averiguou se as hipóteses descritas na legislação concretizaram-se em nosso Estado. Em termos metodológicos, a presente pesquisa caracteriza-se por ser, simultaneamente, doutrinária, empírica e jurisprudencial. Além do trabalho bibliográfico e documental, o autor elaborou questionários para entrevistar os diretores das Sociedade de Economia Mista e tomou por grande preocupação as jurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Quanto às sociedades instaladas no Maranhão (15, no total) analisou especialmente a finalidade com a qual cada uma delas foi implantada, a lei estadual que as criou e a garantia legal de controle acionário por parte do Estado.

Tal qual aponta o título da obra, o autor dialoga com noções de desenvolvimento e subdesenvolvimento e, neste ponto, vislumbra três grandes tendências. A primeira delas enxerga desenvolvimento como modelo de crescimento, e, em sendo assim, admite que o objetivo desenvolvimentista é elevar os países subdesenvolvidos ao sistema econômico e social - de Capitalismo Maduro - que os países desenvolvidos já chegaram. Outra perspectiva vê o desenvolvimento apenas como uma etapa pela qual já passaram os países desenvolvidos. De outro lado, uma terceira via, o enxerga como processo de mudança estrutural global, em que subdesenvolvimento e desenvolvimento correspondem a partes interdependentes de um único sistema. Trazendo para o plano concreto, segundo o autor, na sociedade brasileira, em especial a maranhense, o Estado impôs - ressalta-se, de modo autoritário - modelo de desenvolvimento herdado dos países desenvolvidos, situação a nos colocar dentro do chamado Capitalismo de Estado.

Ainda tendo em vista o título da obra, em um segundo momento o jurista passa a delinear o conceito de Empresa de Economia Mista. Em tese, por unanimidade doutrinária, as Sociedades de Economia Mista constituem pessoa jurídica de Direito Privado que tem a participação da iniciativa privada e do poder público em seu capital e em sua administração. Elas têm por objetivo realizar atividades econômicas ou serviços de interesse coletivo que lhes foram outorgados ou delegados pelo Estado. Em termos legislativos, encontramos referências às Sociedade especialmente no Decreto-Lei 200/1967 e na Lei 6.404/1976.

Dentro do que considera uma pesquisa totalizante, o autor - já com informações atinentes às Empresas de Economia Mista - desta vez se debruça sobre o cenário econômico, social e político do Estado do Maranhão. Os dados obtidos não são muito animadores, o Maranhão tem baixíssimos indicadores sociais, com altas taxas de mortalidade infantil e baixos indicadores educacionais. Não apenas, outro traço marcante é a grande concentração de terra no Estado e o fato do sistema produtivo apoiar-se prioritariamente no setor privado - em especial nas culturas de arroz e babaçu.

Ciente da realidade maranhense e do que sejam as Sociedades de Economia Mista, o professor João Ericeira passa então a analisar as ingerências da construção de tais Sociedades no processo social maranhense. Primeiramente, é verificado a inaplicabilidade das normas referentes às Sociedades pelo Poder Judiciário estadual. Além disso, verifica também que as diretorias de tais empresas têm existência meramente formal, uma vez que cumpre de modo fiel os mandos do Poder Executivo Estadual, não havendo assim a prerrogativa de associação de capital público e privado. Em tese, o caso das Sociedade de Economia Mista no Estado do Maranhão também pode ser assim traduzido: “ As normas que regem as sociedades de economia mista têm vigência formal, e servem, no Maranhão agrário e semifeudal, à expansão política da elite local, detentora do poder público.” (ERICEIRA, 2017, p.83). Em plano geral, as Empresas de Economia Mista são exemplos da não participação da sociedade quando da elaboração das normas de Direito Econômico e das deliberações acerca de como deve se realizar a intervenção do Estado na economia.

Tal conjuntura aponta a necessidade do exercício de controle judicial, por parte da sociedade civil, sobre os entes criados pelo Estado. Da mesma forma, simplesmente implantar modelos jurídicos estrangeiros (no caso, europeu) pode resultar em prejuízos econômicos para localidades que desfrutam de realidade social diversa. Tendo em vista tais resultados, o autor sugere que o exercício da atividade empresarial estatal pode ser realizada através das Sociedades Anônimas e das Sociedades por Quota de Responsabilidade Limitada. Por fim, o jurista maranhense retoma o que fora então os pressupostos de sua obra, uma nova concepção de Ensino Jurídico, de pesquisa acadêmica e do próprio Direito, estes voltados para um projeto de sociedade democrática, aberta e pluralista e para a construção, ao fim e ao cabo, de um Estado de Justiça.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ERICEIRA, João Batista. A empresa de economia mista e o desenvolvimento no Maranhão. São Luís. Ed: Engenho, 2017.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                

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