28/09/2020

As Atribuições do Juiz

Autor: João Batista Ericeira sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O recente falecimento da juíza da Corte Suprema dos Estados Unidos, Ruth Bader Ginsburg, e a pronta indicação de Amy Coney Barret para substitui-la, provocou ruidosas especulações sobre as reais intenções do presidente Donald Trump, de tão rapidamente utilizar-se do preceito constitucional para efetuar o preenchimento da vaga, ao tempo em que circulam analogias sobre procedimento parecido a ser adotado pelo Presidente do Brasil para preencher a vaga aberta com a aposentadoria de Celso de Mello, o decano do Supremo Tribunal Federal-STF.

Ruy Barbosa, fonte inesgotável de citações, sobretudo nos momentos de agudização das crises, autor da Primeira Constituição Republicana, a de 1891, é responsável pela criação do STF e a sua inserção como pedra angular do sistema constitucional brasileiro, em moldes semelhantes ao desempenhado pela Corte Suprema dos Estados Unidos.  Inúmeras diferenças se evidenciaram ao logo da trajetória republicana brasileira. Logo após a proclamação da República, no governo Floriano Peixoto, o mesmo Ruy impetrou Habeas Corpus a favor dos opositores do governo, rebelados em navios da Marinha. O suficiente para o Presidente declarar em tom ameaçatório: “quem concederá habeas corpus para os ministros do STF? ”. Insinuava dissolvê-lo. A Ruy restou o caminho do exílio.

Mas o STF sobreviveu em todas as constituições republicanas, como guarda e tribunal constitucional, ainda que ao longo do tempo tenha se omitido nas situações em que as baionetas pudessem atingi-lo. Exemplo disso é o impedimento do Presidente Café Filho, por força do contragolpe desferido pelo general Lott, em que o Ministro Nelson Hungria, em lapidar voto, justificou a posição da Corte.

Os Estados Unidos começaram com a configuração de Confederação que se transformou em Federação, e a Corte Suprema exerceu papel essencial nessa transformação. Ao passo que Brasil um Estado centralizado se transmutou em Federação por Decreto de Deodoro da Fonseca. A atuação histórica dos dois tribunais é distinta.  Em períodos autoritários o Executivo alterou a composição e cassou membros do STF, mesmo assim ele permaneceu como a consciência jurídica da nação.

Após a Constituição Federal de 1988, teve seus poderes e atuação ampliados, realizando o sonho de Ruy, se constituindo em Corte de concretização de Direitos Civis, tal como o fez a Corte Suprema dos Estados Unidos. A criação da TV Justiça e julgamentos de ampla repercussão midiática tornaram conhecidos e populares os seus membros, a exemplo do Mensalão e dos casos da Lava Jato.

A partir daí se organizaram as torcidas, divididas entre garantistas e punitivas, os primeiros contidos na frase da juíza Amy Barret indicada por Trump: “ a filosofia de Scalia é a minha também, um juiz deve aplicar a lei como está escrita. Juízes não são legisladores. ” Os segundos, em intepretação extensiva, punem os alvos de punição desejados pelo clamor da sociedade.

Semana passada, o juiz Reynaldo Soares da Fonseca, Ministro do Superior Tribunal de Justiça foi alvo de insinuações maldosas de parte de site conhecido, pela simples razão de ser julgador garantista, defensor dos princípios assegurados pela Constituição Federal. A Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política, veio a público para em nota ressaltar as suas qualidades de juiz honrado e ético, cumpridor de trajetória de concursos públicos, palmilhados pelos critérios do mérito.

Eis um exemplo de despropósito desse clima de torcida organizada em função de critérios ideológicos e político-partidários. Os juízes só devem ter compromissos com a Constituição, as leis e a sua consciência.

O falecido Juiz Antônio Scalia, com quem Amy Barret trabalhou, explicou com precisão a função jurisdicional: “ o Judiciário é um bombeiro de paixões, a sua atribuição é assegurar a constitucionalidade das ações presidenciais e das leis aprovadas pelo Congresso”.

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