27/04/2020

A Lei Acima de Tudo

Autor: João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O episódio da tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda em 5 de agosto de 1954, culminou com a morte do Major da Aeronáutica Rubens Vaz e terminou com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Desde o início, o seu ministro da Justiça, Tancredo Neves, o advertira: as investigações têm que ser conduzidas pela polícia judiciária civil. Entregá-las a justiça militar, argumentava, era inteiramente despropositado. Afinal, o major assassinado estava fazendo a segurança de Lacerda voluntariamente, por razões pessoais. Não cumpria missão militar. As ponderações de Tancredo não foram ouvidas. Instalou-se o Inquérito Policial Militar, chamado de a “República do Galeão”, o Presidente Vargas perdeu o controle da situação, restou-lhe a saída do suicídio.

Dias antes, Carlos Lacerda, em seu jornal “Tribuna da Imprensa” deflagrou campanha pelo impedimento ou a renúncia do Presidente, denunciando o “mar de lama” que invadira o Palácio do Catete, com o tráfico de influência, exercido pelo chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato. Eram nomeações, empréstimos e vendas favorecidas. Nas operações de favorecimento, envolviam-se filhos, irmãos, genro do presidente. Este declarou desconhecer o “mar de lama” que encharcava os tapetes palacianos.

A Constituição de 1946, então vigente, dava os primeiros passos, ainda não se consolidara. Enfrentou depois várias crises até ser finalmente abatida pelos atos institucionais, decretados pelo regime instaurado em março de 1964. A longa noite do autoritarismo se estendeu por 21 anos até que em 5 de outubro de 1988 estabeleceu-se o Estado Democrático de Direito. 

A Constituição de 88 completou 32 anos de vigência e comprova pela longevidade estar ancorada nas pilastras da cidadania brasileira. Enfrentou o impedimento de dois presidentes da República, sem que houvesse qualquer iniciativa de golpear as instituições do Estado. Tudo se fez de acordo com a Lei, nada fora dela ou contra ela.

Em 23 de fevereiro de 2016, em texto intitulado “A Ética de Macunaíma”, a respeito das investigações que sofriam os ex-presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Lula, a propósito de favorecimentos ao arrepio da Lei. O primeiro por mesadas ao filho havido fora do leito conjugal O segundo sobre a aquisição de imóveis. Situei a questão nos princípios constitucionais contidos no artigo 37 da Constituição Federal: da legalidade, impessoalidade, e da moralidade dos atos administrativos. Esta última na acepção de ética pública, conforme o Código do Servidor Púbico. Em ambos, se sobressai o dever de falar a verdade de parte de agentes da administração pública.

Citei os exemplos de dois presidentes dos Estados Unidos, Richard Nixon, que perdeu o mandato por ter seguidamente mentido no caso de Watergate, e Bill Clinton, que quase foi impedido por ter faltado a verdade no caso do “love affaire” com a estagiária da Casa Branca. Ao que contrapuseram alguns, afirmando, os norte-americanos são legatários da ética protestante e anglo-saxônica de falar a verdade. Retruquei, a nossa herança é ibérica e católica, mas igualmente comprometida com a verdade.

A sociedade brasileira no estágio atual não admite a prevalência da ética de Macunaíma, a da obrigação de mentir e mentir sempre. O artigo vem percorrendo as redes sociais neste momento em que além da crise da pandemia e da economia, abriu-se a política, deflagrada pela demissão do Ministro da Justiça e a troca de acusações entre ele e o Presidente da República sobre a veracidade dos fatos.

A República não é composta de súditos, mas de cidadãos. Estes têm o Direito de saber a verdade dos fatos, apurados pelos órgãos de Estado. Atualmente, ao contrário de 54, temos uma polícia judiciária federal, a quem por determinação do Judiciário, competirá proceder as investigações, nelas, a Lei deverá estar acima de tudo.  

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