21/09/2020

A Confissão de FHC

Autor: João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Durante o regime autoritário implantado em 31 de março de 64, o sistema representado pelos generais-presidentes eleitos indiretamente, não ousou apresentar propostas de reeleição do Presidente da República. Um deles, Garrastazu Médici, inflado pelos elevados índices de popularidade, resultantes do desempenho da economia, e do ufanismo da vitória do tricampeonato mundial de futebol no México, em 1970, foi provocado a um segundo mandato. Dizia-se, se elegeria em pleito direto, apesar disso, rejeitou a sedução, e passou a faixa presidencial ao sucessor general Ernesto Geisel.

Após o retorno do Estado de Direito deu-se o impedimento do primeiro presidente eleito diretamente, Collor de Melo. Assumiu o vice Itamar Franco. Este em 1994, para domar a voragem inflacionária, autorizou o Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso-FHC, a convocar economistas para elaborarem Plano de Estabilização Econômica, incluindo a alteração do padrão monetário. A moeda passou a chamar-se Real. Pela eficácia do Plano, FHC elegeu-se Presidente da República em outubro daquele ano.

Embriagados pelo sucesso do Real, os partidários do governo cuidaram de articular Projeto de Emenda Constitucional aprovando a reeleição do Presidente, sob o argumento que de que seria a única garantia de continuidade da estabilidade da economia, e dos bons resultados por ela atingidos. Promulgada após aprovação do Senado, em 4 de junho de 97, permitiu a candidatura e o triunfo de FHC no ano seguinte para o segundo mandato.

Transcorridos dez anos, matéria jornalística revelou que dois deputados do Acre confessaram haver recebido duzentos mil reais para aprovar a emenda da reeleição. Os dois renunciaram, e os três outros parlamentares envolvidos foram absolvidos, tendo o Procurador-Geral da República arquivado a representação para a apuração das graves denúncias.

Entrevistado à época, FHC admitiu ter havido a compra de votos. Só que não partiu dele, nem do seu partido, até porque havia consenso de 80% a favor da aprovação, sendo, portanto, desnecessária.

6 de setembro passado, o assunto voltou a ser discutido pelo artigo da lavra do ex-presidente publicado em dois grandes jornais do Rio e São, admitindo ter sido um erro a emenda constitucional permitindo a reeleição, contrariando a tradição republicana brasileira. Disse ter imaginado que a forma norte-americana poderia ser adotada no Brasil.  Não supunha que os candidatos à reeleição praticariam excessos para garantir a continuidade no poder.

A Presidência da República no Brasil tem feições monárquicas. A utilização da máquina administrativa e do poder econômico seriam inevitáveis, como demonstrado na prática. Enquanto nos Estados Unidos, os recursos utilizados no financiamento das campanhas eleitorais não são públicos, e o exercício do executivo submete-se a outros limites e instituições.

A publicação do texto subscrito pelo ex-presidente intitulado “Reeleição e Crises” é louvável. Ainda que se constitua em arrependimento ineficaz, trata-se de bom precedente. O homem público deve admitir os erros. Mesmo se sabendo, no caso concreto, ter aceitado e incentivado a reeleição não se fez por ingenuidade ou por falta de ambição. O desejo de continuar no poder é compreensível. Ressalte-se, no caso brasileiro, os efeitos têm sido negativos. Salvo honrosas exceções os segundos mandatos não trouxeram bons resultados, além de contrariarem o legado histórico nacional de vedação da reeleição.

No seu “mea culpa”, propõe um mandato de cinco anos sem reeleição. A sugestão só poderá ser considerada integrando a ampla, necessária e desejável reforma política, que deve preceder a administrativa. A matéria não poderá ser examinada em contexto eleitoral, pressupondo isenção de ânimos e compromissos com a aperfeiçoamento institucional e o futuro do país. De qualquer modo, a confissão de FHC ´é historicamente relevante, em se tratando de quem experimentou e se beneficiou da emenda da reeleição, sabendo-a danosa para o país.    

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