13/07/2020

A Casa de Rui

Autor: João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Notícia da “Folha de São Paulo” de 10 de julho passado não podia passar despercebida. Tratava-se de parecer do governo federal extinguindo a Fundação Casa de Rui Barbosa, transformando-a em simples museu subordinado ao Instituto Brasileiro de Museus, desconsiderando os trabalhos de pesquisa desenvolvidos pela instituição, as bibliotecas, além dos arquivos de políticos, escritores, poetas, dos mais importantes da literatura brasileira.

São 130 arquivos de personalidades como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Clarice Lispector, dentre outros. Fiquei perplexo diante de sua importância para a memória nacional, tão desprezada pelas elites e autoridades públicas.  Um povo sem documentação histórica, sem memória, está fadado ao desparecimento.

Ao ler a notícia vieram-me as lembranças dos bons anos vividos naquele prédio da rua São Clemente nº 134, em Botafogo, no início dos anos oitenta do século passado, quando sopravam os ventos da redemocratização após as tormentas dos tempos de chumbo, a quem felizmente sobrevivemos.

Lembro-me dos seminários de Direito Constitucional, discutindo as formas de governo, um deles coordenado por Paulo Brossard, conhecido defensor do parlamentarismo.  Na ocasião, ganhei a edição fac-símile da Constituição de 1891, anotada por Rui, de sua bisneta Beatrix Rui Barbosa. Tratava-se de documento de inestimável valor, por ele fundara-se a República brasileira.

Torna-se oportuno rememorar a história da instituição. Um ano depois da morte de Rui, o presidente Artur Bernardes, após prévia aprovação do Congresso Nacional, baixou o Decreto º 4.789, de2/1/24, autorizando a compra do imóvel da família, juntamente com a propriedade intelectual de suas obras. Posteriormente, no governo Washington Luís, o Decreto nº 17.758, de 4/4/27, o transformou em museu, inaugurado com a presença da viúva Maria Augusta, da filha Francisca e do genro Batista Pereira. Este falou em nome da família. Destacou o que o grande brasileiro, dissera na “Oração aos Moços”: amou a pátria, viveu no trabalho e não perdeu o ideal.

O senador João Mangabeira presente ao ato manifestou admiração pelo homem de Estado, pelo cidadão, pela vida dedicada à pátria em lutas pelo apostolado da Lei. Aquela cerimônia foi a última a que compareceu o presidente Washington Luís, derrubado meses depois pela Revolução de Trinta.  Mas seria também o cala boca nas falácias dos adversários de Rui. Ele morrera pobre, sempre vivera da advocacia proba e honesta. Para não passar necessidades a família vendeu a propriedade ao governo federal.

A Casa foi desenvolvendo atividades em setores. O ruiano para estudar a vasta obra do patrono, nas perspectivas da língua, de quem era cultor; da política, na defesa do liberalismo autêntico; do Direito nos campos do Público e do Privado. Foi o pai do nosso Direito Constitucional. O filológico para estudos linguísticos de modo genérico. E o de Direito, na época o único de pesquisa exclusivamente jurídica.

Foi chefiado por Aurélio Wander Bastos, Ivan Vernon, Margarida Lacombe, dentre outros. Lá trabalhei com a pesquisa de interpretação da jurisprudência maranhense, utilizando a sua metodologia.  Os resultados dos trabalhos foram publicados. Mereceram ampla aceitação. Convém dizer, tínhamos ambiente profissional e pessoal concorrente ao êxito alcançado.  

A Casa é um centro de pesquisa vital para a preservação da memória coletiva do povo brasileiro, não só do seu patrono, um dos fundadores da pátria, síntese da alma cívica e jurídica da nação. Contém o acervo de políticos e escritores que construíram e escreveram a nossa História.

Europeus ou norte-americanos não adotariam atitude semelhante, caracterizadora do subdesenvolvimento e do atraso cultural. Lembro o livro do escritor maranhense Franklin de Oliveira, “A morte da memória nacional”. É tarefa de destruição da identidade brasileira. Para defendê-la é hora de deflagrar movimento de salvação da Casa de Rui.

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